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PAISAGENS DA AFETIVIDADE

Texto elaborado pelo curador Ricardo Resende para a exposição Paisagens da Afetividade realizada em junho de 2002 na Mônica Filgueiras Galeria de Arte, São Paulo.

Nenhuma condição especial ou conhecimento histórico é necessário para vermos ou compreendermos a beleza das paisagens e retratos de Ana Michaelis. Não há segredo. Guardam apenas alguns mistérios por trás das camadas de tinta branca, que velam as imagens em suas telas e deixam transparecer sombras de pessoas ou paisagens enevoadas. São imagens selecionadas, como a própria artista explica, de sua memória do cotidiano, que nostalgicamente se perde na conturbada contemporaneidade, mas carregadas de afetividade. 
Há uma certa relação de dualidade entre a artista e suas telas. Primeiramente, Michaelis realiza uma pintura quase fotográfica, realista, depois, em sucessivas camadas de tinta branca, a artista pinta apagando o seu registro, tornando-a intimista, como se estivesse escondendo a inquieta busca artística por uma identidade. 


As pinturas são compostas ora por retratos, ora por uma singela árvore estática, como se o tempo estivesse congelado, ora em movimento, balançada sob fortes ventos que parecem estar na iminência de arrancá-la violentamente do solo.
A qualquer um é dado perceber a sensibilidade e o encanto artísticos presentes nestes instantes da natureza, tão bem captados pela artista.
Como João Candido Galvão bem definiu alguns tipos de paisagens, as de Ana Michaelis, são ao mesmo tempo, a Paisagem Recortada e a Paisagem da Memória por ele identificadas. No primeiro caso, a artista seleciona não um entorno, uma paisagem propriamente dita, mas um detalhe dentro daquele entorno que em suas telas assumem uma brancura imaculada, e tais detalhes funcionam como figuras isoladas ou seres solitários – as árvores -, nessa paisagem desolada. No segundo caso, tais seres ou figuras – agora humanas -, parecem ter sido retiradas do fundo de sua alma e de dentro para fora dos corpos retratados, carregando suas histórias. Seres que estão soltos nessa paisagem enevoada e plana.
Paisagem misteriosa, em sua estranha dominação metafísica do mundo, que não toma consciência de si, senão quando o mundo está distante, diminuído, empalidecido, negado, perdido...


Em uma outra série de trabalhos, de pequenas pinturas de retratos coladas nos fundos de tijolos de vidros, existe um fascínio algo fantasmagórico, que se transforma diante da movimentação de quem as observa. Revelam por trás dessa proteção, duas facetas dos seres ali registrados, talvez facetas comuns aos humanos que parecem denotar uma polaridade entre sujeito bom e ruim, todos dentro de um mesmo personagem, todos dentro das pinturas de Ana Michaelis, que, em seu conjunto, parecem uma única tela, de imaculada brancura.

Ricardo Resende

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